O avô de Laurinha, era um fumante inveterado, daqueles que
acendiam um cigarro no outro, sabe? Isso foi no tempo em que fumar não era
considerado politicamente incorreto e nos maços ainda não se estampavam
cadáveres de fetos ou pessoas com as pernas amputadas como consequência do dito
cujo. Também era permitido fumar em restaurantes, transportes públicos, de
passeio e aviões. Sim. Existiam as bizarras alas de fumantes nos aviões e nos
ônibus, que intrigavam a inteligente Laurinha porque, afinal, a fumaça dos
cigarros nunca obedecia a linha imaginária que separava a fileira dos sãos da
dos viciados.
E seu avô tinha uma teoria muito pessoal para a rebeldia da
fumaça as vezes que ela reclamava que a fumaça fedorenta sempre vinha em sua
direção quando jogavam dominó na varanda de casa, aos domingos de manhã,
esperando o almoço ficar pronto.
Ele fumava Continental sem filtro. E como num ritual tragava
e soltava lentamente a fumaça para os lados tomando o cuidado de não atingir a
netinha com o veneno.
Tarefa inútil. Claro! A fumaça insistia em ir direto, sem
escalas, se enroscar nos caracóis dos cabelos de Laurinha.
Por mais que ela se afastasse, fazendo manobras com o
corpinho sempre coberto com vestidinhos de babados e lacinhos, a danada nunca
errava o alvo.
Um dia, inocentemente intrigada, Laurinha perguntou para o
avô por que a fumaça vinha sempre na sua direção? O avô olhou para a netinha e
sorriu aquele seu sorriso maroto. Tentou limpar a garganta do característico
pigarro dos fumantes, num esforço de eliminar a secreção que o mataria anos
depois de falência pulmonar, e respondeu solenemente com seu meio sotaque
espanhol: Ah, minha linda, a fumaça do cigarrillo é atraída solamente pelas
pessoas bonitas, assim como tu!
Ingenuamente feliz, do alto de seus 4 aninhos Laurinha disse: Então matei a charada,
vovô! Já sei por que a fumacinha branca invade a ala dos não fumantes dentro
dos ônibus e aviões: quem se senta lá são as pessoas
mais bonitas do mundo!
O vovô quase engasgando com a famigerada em questão, soltou
uma contagiante gargalhada cujos chacoalhões levaram seu corpo magro para trás
e, na volta, dando uma piscada de olhos, ele jogou uma baforada bem no meio do rosto
de Laurinha... para selar sua teoria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário